Maria Vilani é a idealizadora do Centro de Arte e Promoção Social do Grajaú
Adriano Mendes“Houve uma transformação em mim quando mergulhei nessa quebrada”. É assim que Maria Vilani Gomes, de 68 anos, fala sobre a vida no Grajaú, bairro periférico do extremo-sul de São Paulo. Cearense, a professora aposentada partiu de Fortaleza ainda jovem para tentar um futuro longe da fome.
Na capital paulista ela fincou raízes e, também, palavras. Na década de 1990 criou o Centro de Arte e Promoção Social (CAPSArtes) e desde então é responsável por plantar a filosofia no cotidiano dos moradores da região.
A sensibilidade fez com que Dona Vilani logo percebesse a arte que emanava do lugar. “Eu tinha uma recreação infantil e pensei em fazer uma feira para expor os artesanatos que as mães das crianças produziam. Acabei descobrindo uma infinidade de artistas no bairro”, conta.
O Grajaú é famoso pela veia cultural que carrega e já revelou nomes como o rapper Criolo, filho de Vilani. “Aqui tem gente oriunda de todo lugar que você possa imaginar. E, como o poder de criação é imanente ao ser, esse povo se juntou e um começou a mostrar para o outro o que sabia fazer”, lembra.
Quem vê Dona Vilani se preparando para lançar o sexto livro — “Abscesso”, de poemas — nem imagina que quando chegou em São Paulo ela mal tinha completado o período escolar.
“Eu me alfabetizei com retalhos de jornais, quando tinha 10 anos”, relembra. Ela só voltou à escola em 1992, para fazer o Ensino Médio na mesma sala que Criolo. Hoje, é formada em Filosofia e tem especializações em Literatura, Semiótica, Filosofia Clínica e Pedagogia.
Maria Vilani e Criolo na formatura do Ensino Médio, em 1992
Reprodução/InstagramQuando se deu conta, a professora já tinha criado o CAPSArtes na cozinha da própria casa. “Eclodiu e foi uma coisa maravilhosa. Em seguida, a gente montou um grupo de escritores, fez uma carreata poética, grupos de teatro, circo na rua e foi uma efervescência muito grande”, conta.
Isso tudo na década de 1990, quando o extremo-sul de São Paulo era conhecido pelos altos índices de homicídio e violência. Hoje, o Centro tem endereço próprio: Rua Jequirituba, 325, no Grajaú. As atividades são diárias e gratuitas.
As rodas de poesia, saraus e oficinas de escrita deram voz a pessoas que, antes, nem se imaginavam artistas. Um deles é o Vinicius Rossato, que publicou o livro “Tudo é problema com Bruno” através do selo editorial CAPSIANOS, uma criação da Dona Vilani para publicar os escritores que participam do ateliê de escrita do CAPSArtes.
A professora é mãe de cinco filhos, e o centro de artes foi uma das maneiras que encontrou de levar a cultura para mais perto deles. “Ser mãe é um desafio em qualquer lugar do mundo e principalmente na periferia, a miséria consegue destruir qualquer tipo de sensibilidade”, comenta.
"Eu me lembro que em 2009 criei o Café Filosófico e veio um jornalista falar comigo assim ‘mas você vai criar um café filosófico na periferia?’. Eu comecei a chamar o povo e eles perguntavam ‘café com o que?’ e eu levava garrafões de café e bolacha. Hoje eu não coloco um café e as pessoas vão filosofar", conta Vilani.