Ligia e Roni, como ela o chamava
Arquivo pessoal"Em um dia eu estava 100% do tempo com ele, no outro 100% sem". Foi assim, do dia para a noite, que a jornalista Ligia Bolognesi, de 37 anos, viu a vida mudar completamente.
No dia 20 de janeiro de 2019, ela e o marido, o empresário e instrutor de paraquedismo Ronald Aparecido da Silva, 44, voltavam da praia depois de um fim de semana em família. Ao chegarem na casa dos pais de Ligia, no bairro Sacomã, na zona sul de São Paulo, foram surpreendidos por quatro homens anunciando um assalto. Ninguém reagiu. Mas isso não impediu o rapaz que estava armado de atirar no peito de Roni, como Ronald era conhecido. Ligia, desesperada, ainda conseguiu levar o marido ao hospital, mas ele não resistiu.
Naquela noite, apenas um bandido foi preso. Os outros três conseguiram fugir.
O crime aconteceu nove dias antes de o casal completar três anos de muito companheirismo. "A gente acordava junto, tomava café da manhã, trabalhava no mesmo lugar, voltava para casa, viajava no fim de semana... fazia tudo junto. Foi uma mudança muito repentina, e eu nem sei te dizer o momento exato em que consegui assimilar isso", conta a jornalista. "Uma coisa tão simples, como ir ao mercado pela primeira vez sem ele, passar na seção de bolachas e não colocar a que ele gostava no carrinho, foi muito difícil. São muitos momentos de dor. Tudo lembra ele."
Apesar da tristeza, a jornalista teve de adiar o luto por uma causa mais urgente: fazer justiça e prender os assassinos do marido. Foi então que ela iniciou uma jornada solitária, ir à delegacia todas as semanas cobrar respostas, monitorar as redes sociais dos bandidos — que, pasmem, continuavam ativas com diversas postagens — e investigar por conta própria para, enfim, conseguir montar um dossiê sobre eles, que foi entregue à polícia.
"A rotina policial me ajudou a lidar com a perda, porque eu depositei todas as minhas forças em conseguir uma resposta. Eu poderia ficar em casa chorando, me lamentando, mas tive de fazer minha parte como cidadã. Não queria que meu marido fosse mais uma estatística".
Quatro meses depois, no dia 21 de maio, os três fugitivos foram presos. Mas a redenção trouxe também um desafio à vida de Ligia: como reencontrar o rumo após perder o grande amor da sua vida dessa maneira?
"Depois disso, os dias começaram a ficar mais difíceis. Quando consegui a prisão deles comecei a viver o luto de verdade, minha ficha caiu e eu percebi que teria de começar a olhar para a minha vida".
Só então ela teve forças para mexer nas coisas de Roni, que estavam exatamente do mesmo jeito que ele havia deixado.
Tempo ao tempo
Não existe uma fórmula exata de como superar uma tragédia dessas, mas Ligia acredita que teve alguns acertos durante o processo. Dar a si o tempo e o espaço de que precisava foi um deles.
"Saí de todos os grupões de WhatsApp, não queria conversar com ninguém, acabei me isolando um pouco. Acho até que algumas pessoas ficaram chateadas comigo, mas eu precisava desse tempo", diz ela. "Querendo ou não, ficam te olhando com cara de dó em todo lugar que você vai, te bombardeando de perguntas. Isso é inevitável, é do ser humano. Mas eu não queria falar sobre isso. Precisava que o silêncio me mostrasse os caminhos que eu não estava enxergando".
Mente e espírito saudáveis
A jornalista acredita que outros dois pontos foram cruciais para seguir adiante: manter a mente ocupada e cuidar da espiritualidade. "Acho que eu fiz muito bem em não deixar de trabalhar, mesmo enquanto seguia com a investigação paralela. Manter a cabeça ativa foi muito importante para que eu não 'pirasse'".
A parte espiritual, no entanto, foi um pouco mais difícil. "Nos dois primeiros meses, eu fiquei muito brava com Deus. E não me orgulho disso. Mas eu estava muito mal, com muita raiva. Depois, aos poucos, voltei a fazer orações e agora vejo como cuidar desse meu lado me fez bem".
A decisão mais difícil
"Tudo o que eu passei foi muito difícil, mas o pior, sem dúvidas, foi deixar ele partir. Quando digo isso, me refiro a dar espaço para o novo, dar as coisas dele, recomeçar. Claro que eu vou ficar com uma ou outra lembrança, mas não vou ficar guardando tudo dele em casa, nem ficar vendo mil fotos e vídeos todos os dias. Essa é a decisão mais difícil, mas é essencial para seguir em frente", afirma.
A nova velha Ligia
"Eu não sei se reconheço a Ligia de depois do crime, ainda não sei exatamente quem ela é. Mas sei que, na Ligia de hoje, o senso de justiça e a persistência, que já eram gigantes, são ainda maiores. Sempre fui muito persistente, mas depois da minha 'saga' em busca de justiça tive a certeza de que não podemos desistir nunca. Vale a pena ir atrás do que se quer."