Os olhos de quem não enxerga são as mãos. É no tato e no toque que o deficiente visual sente os formatos e as texturas do mundo ao seu redor. E são as mãos que abrem, para muitos cegos, a chance de recomeçar ao descobrir uma nova carreira com a formação em massoterapia.
A Serenidade do Toque é uma clínica na qual todos os massagistas são cegos e também oferece, em seu laboratório social, cursos de formação, reciclagem e treinamento. Ali, os novatos têm a chance de treinar, e a clientela ganha a oportunidade de se cuidar, por um preço camarada.
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"A massagem me tirou da penumbra", diz Ricardo Martus Neves Silva, hoje com 32 anos, cego desde os 26 por conta de uma retinopatia diabética. Como sua perda de visão foi gradativa, Ricardo conta que foi se adaptando aos poucos.
Ele dava aulas de violão e tentou focar na música quando a visão se foi. Mas com ela foi-se também a fé e a esperança. Ricardo ficou dois anos em depressão. Até que achou o curso e, segundo ele, depois de convencer a mulher, que ficou com ciúmes de sua nova atividade, ele se redescobriu.
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— Quando faço a massagem em alguém é como se tivesse recebendo também. A massagem me tirou de casa, me mostrou que sou capaz e hoje já tenho minha maca e estou formando uma clientela. Eu hoje sei quem é o Ricardo cego: eu sou massoterapeuta.
Alice Kuhl toca o negócio ao lado de dois sócios, Cícero Mesquita e Minoru Nagahashi, e explica que não se trata de uma ONG ou algo do gênero. A Serenidade do Toque é uma empresa de negócio social, que trabalha na capacitação de pessoas com deficiência visual de forma a criar uma possibilidade real de gerar renda e autonomia financeira.
A Serenidade também ajuda a buscar soluções de empregabilidade. Dos mais de 600 cegos que já passaram pelos cursos de massagens nos últimos 12 anos, pelo menos 80% conseguiram uma recolocação no mercado de trabalho.
"Levamos nossos massagistas para eventos e empresas e o impacto é muito positivo. É comum saírem dessas participações com propostas de emprego", relata Alice.
Cursos capacitam para massagem clássica, quick e reflexologia
Edu Garcia/R7
Isaias Evangelista Brito, de 43 anos, por exemplo, está participando de um processo seletivo.
Com baixa visão, Isaias perdeu 80% da capacidade visual após sofrer um trauma emocional pela morte da filha.
Ele era dono de uma transportadora e estava nas etapas finais para tirar brevê e pilotar aviões quando tudo aconteceu.
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A revolta, a depressão, o luto e a depressão roubaram dois anos de sua vida. Até que Isaias foi se capacitar para viver com sua limitação.
"Fui aprender braile e buscar outros conhecimentos no Instituto Laramara. Eu já aplicava massagens, mas de forma amadora, sem técnica. Com a deficiência a gente desenvolve outros sentidos, e na massagem é possível sentir as pessoas, eu tenho amor pelo trabalho, me sinto capaz, é um resgate emocional", analisa Isaias.
Ele, que já tinha feito a formação em quick massage, agora também tem a certificação em massagem clássica.
Para que os alunos treinem e se aprimorem, a Serenidade do Toque mantém o Laboratório Social, onde os cursos são ministrados e é possível fazer massagem a preços mais em conta do que na clínica. O local funciona em uma casa na Vila Mariana (rua Timburiba, 88, telefone para agendamento: 95141-9769), pertinho do metrô Santa Cruz, de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h.
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Uma quick massagem de 15 minutos lá custa R$ 10, a reflexologia de 40 minutos sai por R$ 20, e uma hora da massagem clássica, R$ 50. Mais do que um investimento no bem-estar, fazer uma massagem ali é a certeza de estar colaborando com a mudança de muitas vidas.
Confira, na galeria, outros relatos de alunos que participaram dos cursos na Serenidade do Toque e se encontraram como massagistas cegos.