Michella e o ex-marido, Roberto
ReproduçãoMichella Marys Pereira, ex-mulher do juiz Roberto Caldas, foi vítima de violência doméstica por mais de 13 anos, mas somente em 2018, com ajuda de uma terapeuta, conseguiu denunciar o marido. Agora, a estudante de direito se prepara para dar palestras sobre o assunto e, assim, tentar ajudar outras mulheres que passam (ou passaram) pelo mesmo problema.
"Pretendo dar palestras porque sou muito grata a Deus por ter sobrevivido e poder contar a minha história. Infelizmente, muitas mulheres não sobrevivem e acabam sendo mortas. Se eu estou viva, quero e posso ser a voz que não tive por 13 anos e meio. Posso ser a voz de várias mulheres", diz ela.
Apesar de falar com tranquilidade sobre as agressões, Michella afirma que ainda não superou tudo o que viveu ao lado do ex-marido - e que, inclusive, acredita que vivências assim nunca são superadas por completo. No entanto, acredita que está em um processo de 'resgate de alma', que é trabalhado diariamente.
"Estou muito melhor hoje do que quando eu estava casada, estou em um processo de resgate da minha essência, da minha feminilidade. Não é fácil. Às vezes, as pessoas me veem sorrindo e acham que eu estou bem, mas, não, não estou bem. É um dia após o outro, cada dia eu supero um pouco. Estou em uma fase de reconstrução de tudo, resgatando a minha alma e a minha dignidade como ser humano, que foi completamente dilacerada", desabafa.
Michella conversou com a reportagem do R7 e falou sobre os recentes casos de feminicídio, o tempo em que viveu com Roberto e o processo até denunciá-lo. Confira:
R7: Você se dava conta de que estava em um relacionamento abusivo?
Michella Marys: "Não, até porque a sociedade brasileira é patriarcal, machista e misógina, então, a gente cresce vendo tias, mães, avós, vizinhas sofrerem e acaba achando que isso é natural, que mulher tem de passar por isso, que é o comum. Então, eu não achava que era um relacionamento abusivo, até porque quando me casei com ele, há 14 anos, esse termo ainda não existia. Eu achava só que ele era um homem muito estressado, que perdia a cabeça com facilidade e descontava em mim".
R7: Acreditava que ele poderia mudar?
MM: "A gente sempre acredita que eles podem mudar, porque fomos criadas assistindo a filmes de princesas da Disney e contos de fadas de Hollywood. a gente sempre acredita no amor, tem uma visão romântica das coisas, que a pessoa vai mudar, melhorar, e muitas vezes ainda se sente culpada por aquela situação".
R7: A partir de que momento tomou consciência de que precisava ‘cair fora’?
MM: "Quando comecei a fazer terapia, em 2011, mas não foi imediatamente, foi ao longo da terapia que eu comecei a perceber isso. Inclusive, só gravei os áudios [divulgados por ela, que mostravam as agressões verbais] porque eu tinha muito medo de não acreditarem em mim, até porque essa era uma das grandes ameaças que ele fazia. Ele dizia que ninguém acreditaria em mim, que iam me achar louca, que eu ia perder os meus filhos. Então, quando comecei a terapia, ele foi chamado algumas vezes para conversar com a minha terapeuta, como de praxe, e ela falou: 'Nossa, ele é tão educado, solícito', e eu fiquei pensando: 'Meu Deus, acho que nem a minha terapeuta está acreditando em mim'. Não que ela não acreditasse, mas eu tinha tanto isso no inconsciente, de que não iam acreditar em mim, que, na minha cabeça, ela estava duvidando de mim. Foi um processo muito lento, foram sete anos de terapia antes de eu me separar, mas eu fui tomando coragem, tendo consciência, mas é tudo muito lento, embora necessário. O ponto mesmo que me fez perceber foi no episódio do dia 23 de outubro de 2017, quando ele ameaçou pegar uma faca e falou que ia me matar, aí eu vi que a coisa era mais séria do que pensava. Mas ele foi impedido".
R7: Como vê os recentes casos de feminicídio? O que se passa pela sua cabeça?
MM: "Casos assim sempre aconteceram, mas antes a mídia não dava visibilidade e a internet não existia, então, as notícias não circulavam com a facilidade de hoje. Feminicídios sempre aconteceram, não é uma coisa atual, a gente só não ficava sabendo. Mas que bom que hoje está tendo mais visibilidade, porque também é uma forma de conscientização. E a melhor maneira de combater a violência doméstica é falando sobre ela. Não adianta fugir e fingir que não existe. Esses casos me deixam muito triste, porque sei que são mulheres que, infelizmente, não tiveram a mesma chance que eu tive, que não tiveram ninguém para ‘meter a colher’ como eu tive, e não puderam 'resgatar a alma' como eu. Sinto a dor delas, da família delas. Por isso, de certa forma, me sinto responsável. Enquanto uma mulher for prisioneira, nós todas seremos".
R7: Qual mensagem você mandaria a mulheres que estão em relacionamentos abusivos, mas não conseguem sair deles?
MM: "Ele não vai mudar. Não esperem, não tenham esperança, eu sei que muitas, como eu tinha, têm essa ideia romântica de que o homem vai mudar e fazer esse sacrifício pelos filhos, mas isso não vai acontecer. Não caiam nessa. É muito triste para os filhos presenciar isso, ver a mãe sendo agredida, mesmo que seja só verbalmente. Seus filhos vao acabar reproduzindo o que o pai fez. A tendência desse tipo de homem é ir piorando com o tempo, as agressões e os abusos vão se tornando mais fortes, constantes e agressivos. Por isso, busquem força e ajuda. Se os familiares não te apoiarem, busque ONGs, psicólogos na rede pública. Busque alguma forma de se fortalecer para sair. Isso vai acabar com você, com o resto de dignidade que ainda tem, e muitas vezes pode acabar com a morte. Sobreviva. Vá atrás, busque seus direitos, junte provas. Não é fácil, eu estive no seu lugar, mas tem saída, sim! Busque e saia, antes que seja tarde demais."