“Ele pagou quanto por mim? Não pagou, não sou posse”. Por muitos anos Eliane Dias carregou o título de “mulher do Mano Brown”, rapper líder dos Racionais MC's. Hoje a reputação de primeira-dama do rap é por outro motivo: ela se tornou a empresária do grupo e, em 2017, foi eleita a melhor empreendedora musical do ano pelo Women’s Music Event Award, única premiação para mulheres na música do país.
Mas se engana quem pensa que Eliane sempre sonhou em trilhar este caminho. Ela é advogada e, quando propôs um trabalho junto ao grupo, em 2004, queria apenas tratar da parte jurídica. Mas a ideia não foi bem aceita. “Eles falaram para mim que não queriam mulher no grupo, e eu também sou do tipo que, se não me quiser, tem que quem queira. Só falo uma vez”, conta Eliane.
“Você fala muita coisa" e "você é muito mandona” foram alguns dos argumentos que acompanharam o "não". A parceria só se tornou realidade em 2013, quando Eliane fundou, junto com Brown, a produtora Boogie Naipe, na qual atua como CEO. “Para trabalhar com a banda e no mundo empresarial, você precisa ter uma energia muito forte, porque não é fácil, não”, revela.
“Nos primeiros anos eu dormia apenas quatro horas por noite, porque ficava pensando o tempo todo, buscando soluções e tentando entender o mercado”. A falta de sono e rotina intensa pesaram para a empresária: ela engordou 19kg e não demorou para sentir as consequências. “Sentia muita dor no pé e no joelho, mas ano passado resolvi voltar a me cuidar nesse sentido”.
Lidar com o grupo que revolucionou a cena musical brasileira na década de 1990 também não é fácil. "Eu não tinha a dimensão do tamanho da banda. Acompanhava de pertinho, mas não tinha noção da relevância e da importância deles", conta.
Eliane e os integrantes do grupo Racionais Mc's
Reprodução/InstagramNas palavras da empresária, a relação dela com o grupo é uma "roda gigante". “Tem momentos em que eles estão super pró-feministas e de repente falam que mulher não vai, que mulher não entra”, conta. "Aí, quando eu vou pro 'enfrentamento', vou pra cima, eles falam que eu atropelo, que não respeito".
Quando se trata dos períodos de criação, é ainda mais complicado. “Parece que estão em uma hipnose, e qualquer coisa que atravessa aquele caminho já provoca um mal estar”, define Eliane.
Em 2015, Eliane também foi coordenadora do SOS Racismo, na Assembleia Legislativa de São Paulo. Foi nesse período que percebeu que, além de Zumbi dos Palmares, as mulheres precisavam conhecer Dandara, uma guerreira que lutou contra a escravidão e também foi companheira de Zumbi.
Para ela, que começou a trabalhar aos 14 anos de idade, a luta contra o machismo nunca foi uma opção. "Sou filha de mãe solteira e, para ter a casa respeitada, eu tive que me impor e aprender a dizer não", relembra. "Com o passar do tempo, entendi que esse comportamento era feminista", completa Eliane.
A advogada chama a atenção para o alto índice de homicídios contra mulheres negras, que somam 66% das vítimas do sexo feminino no país, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. "Isso porque nós fomos para as universidades e a internet trouxe uma gama de informações. Por conta disso, alguns homens chegam ao extremo de assassinar mulheres", afirma.
“As mulheres não têm noção do seu potencial gigantesco e os homens aproveitam dessa falta de autoconfiança para invisibilizar tudo o que podem”, finaliza a empresária.