Adriana Barsotti coloca em prática as lições que tem aprendido no curso
Isadora Tega"Antes de eu ser uma pessoa com deficiência, eu sou mulher." Essas são palavras da massoterapeuta Geisa Souza Santos, uma das 45 mulheres que tiveram a vida transformada após participar de um curso de automaquiagem para deficientes visuais, numa iniciativa da rede de salões Jacques Janine e a Laramara (Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual).
Lançado em 2016, o projeto Muito Além da Beleza dá a mulheres cegas ou com baixa visão a oportunidade de se reinventarem por meio da maquiagem. Henrique Malveis, um dos idealizadores, contou ao R7 que se inspirou em uma blogueira britânica para criar a iniciativa social e citou a carência de ações desse tipo no Brasil.
— Pensamos em fazer isso por causa de uma blogueira britânica chamada Lucy Edwards, que ensina tutoriais de maquiagem no YouTube. Só que a grande diferença dela para outras blogueiras é que ela é cega. Nós achamos isso muito interessante, porque não havia nada parecido no País. Então, levamos a ideia para a Laramara e para o Jacques Janine, que abraçaram e fizeram o projeto crescer.
Coordenado por Chloé Gaya, maquiadora e consultora de imagem do Jacques Janine, e por um time de makeup artists voluntárias da marca, o curso, que já está em sua quarta edição e é dividido em cinco módulos, ensina as participantes a utilizar pincéis, aplicar sombras e até mesmo cílios postiços, tudo isso sozinhas. Chloé revela que, para ministrar as aulas, fez um treinamento diferente com a equipe.
Cada aluna é acompanhada por uma voluntária
Isadora Tega— Para nos sentirmos no lugar das alunas, maquiamos umas as outras com os olhos vendados. Isso nos ajudou na hora de auxiliá-las. Cada uma das participantes é acompanhada por uma voluntária.
A profissional acredita que o Muito Além da Beleza permite que as alunas tenham uma nova perspectiva sobre a relação entre a deficiência e sua identidade, pois faz um convite ao autoconhecimento e à valorização da própria imagem.
— Você percebe que todas as mulheres são apaixonadas por maquiagem, as que enxergam e as que não enxergam, e que mesmo com essa dificuldade elas encaram o desafio e confiam. Isso é muito lindo. É muito gratificante quando sentimos a felicidade das participantes ao aprenderem os segredos para independência na maquiagem.
Geisa Souza, de 38 anos, participou do curso e construiu uma das histórias mais bonitas de todas as edições. Cega desde os 26, em decorrência de um glaucoma, ela passou mais de uma década usando óculos escuros por vergonha de seus olhos. Mas isso mudou.
— A automaquiagem trouxe para mim um ganho muito grande. Eu não mostrava meus olhos para ninguém, de jeito nenhum. Eu tinha muita vergonha deles, achava que as pessoas não olhariam para mim, só para os meus olhos. Agora, eu adoro passar uma sombra preta, tirar os óculos e “causar” (risos).
A autoconfiança conquistada por Geisa pode ser notada, também, em outras mulheres do projeto. A pedagoga especializada em deficiência visual Adriana Barsotti, de 46 anos, afirma que ganhou uma injeção de autoestima e ainda exaltou a independência que o curso proporciona.
Geisa se prepara para aplicar cílios postiços
Isadora Tega— Eu sempre fui muito vaidosa, sempre gostei de me arrumar. Quando eu enxergava, eu via minha mãe se maquiando, até que, aos sete anos, perdi a visão por conta de um tumor no cérebro. Mas, mesmo sem enxergar, sempre gostei de fazer as coisas sozinha, sem depender dos outros. Só que a maquiagem é uma coisa muito visual... eu só conseguia passar lápis de olho e batom. Mas agora a gente está aprendendo a ter mais autonomia e ser independente. É interessante como o projeto me fez sentir mais bonita, com autonomia. Não tem preço não depender de outra pessoa.
Adriana defende que, assim como quem tem a visão perfeita, as deficientes visuais devem se arrumar e se sentir bonitas — e é isso que tem tentado pregar depois do Muito Além da Beleza.
— A deficiência em uma pessoa, por si só, já é encarada como uma característica negativa pela sociedade, mas não é assim. Pelo contrário. A gente tem de mostrar para os outros que a pessoa com deficiência tem os mesmos direitos que uma pessoa que enxerga tem, inclusive de se arrumar, se produzir, se amar.
Confira na galeria a seguir mais imagens do projeto: